Oduvaldo Vianna Filho
4/06/1936 - 16/07/1974
Quem foi Vianinha?
Oduvaldo Vianna Filho (04/06/1936, Rio de Janeiro – 16/07/1974, Rio de Janeiro) foi ator, dramaturgo, roteirista, ensaísta, animador cultural e militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Escreveu inúmeras peças teatrais, além de roteiros para a televisão e para o cinema. Filho do jornalista, dramaturgo, cineasta, radionovelista e militante comunista Oduvaldo Vianna (1892 – 1972), recebeu o apelido de Vianinha da classe teatral e de parte da imprensa. E, de fato, levou adiante o legado do pai, tanto nas artes cênicas quanto em sua militância política.
Reza a lenda que a militância política, aliás, teria se iniciado muito cedo, quando contava com apenas 9 anos. Na ocasião, em plena Avenida Ipiranga, na capital paulista, Oduvaldo e Deuscélia, sua mãe, encontram o filho distribuindo “santinhos” e pedindo votos para o pai, candidato a deputado estadual pelo PCB. Segundo a história, o menino gritava: “Votem em Oduvaldo Vianna, o candidato do povo!”. Anos mais tarde, em 1950, ele seguiria os passos políticos do pai, entrando para a União da Juventude Comunista.
Filhos de intelectuais famosos, Vianinha e Gianfrancesco Guarnieri são solicitados pelo Partido a organizar um grupo de teatro amador no setor estudantil. Nascia o Teatro Paulista dos Estudantes (TPE), orientado pelo diretor italiano Ruggero Jacobbi. Em 1953, Vianinha entra para a Faculdade de Arquitetura da Universidade Mackenzie, mas o entusiasmo pelo teatro o faz abandonar o curso no terceiro ano. Tempos depois, o TPE se fundiria com o Teatro de Arena, dirigido por José Renato, porém mantendo administrações independentes. Nesse período, atua em produções como Rua da Igreja, de Lennox Robinson e O Rapto das Cebolinhas, de Maria Clara Machado.
Em 1956, estreia no elenco oficial do Arena, em Escola de Maridos, de Molière. Em seguida atua em diversas outras montagens, tais como Dias Felizes, de Claude André Pugget, sob a direção de José Renato; Só o Faraó Tem Alma, de Silveira Sampaio; Marido Magro, Mulher Chata (texto e direção de Augusto Boal); Juno, o Pavão, de Sean O'Casey – pela qual recebe o Prêmio Saci de ator coadjuvante; e Enquanto Eles Forem Felizes, de Vernon Sylvain, todas em 1957.
Em 1958, Vianinha faz sua estreia como dramaturgo, com a peça Bilbao, via Copacabana. No mesmo ano, atua em Eles Não Usam Black-Tie, de Gianfrancesco Guarnieri. A peça torna-se um marco na história do Teatro de Arena, da própria história do teatro brasileiro e da luta de classes no Brasil. Diante das possibilidades abertas por textos nacionais, que punham em cena os problemas que a plateia deseja ver representados, o grupo resolve organizar um Seminário de Dramaturgia, além de laboratórios de interpretação.
Nomes importantes do teatro nacional, como Chico de Assis e Carlos Alberto Soffredini, surgiram dessa iniciativa. Foi nesse mesmo contexto que Vianinha firmou-se como dramaturgo. Entre 1958 e 1960, o Arena leva à cena uma série de textos originais, escritos pelos integrantes da companhia, num movimento de nacionalização do teatro, além da politização da discussão da realidade nacional. Chapetuba Futebol Clube, a primeira das peças resultante dos processos desenvolvidos no Seminário, com texto de Vianinha e direção de Boal, de 1959, está entre esses espetáculos.
Coerente com suas posições políticas, Vianinha resolve participar, com seu trabalho, das intensas movimentações sociais do movimento operário que agitavam o país naquele momento, fazendo surgir organizações sindicais na cidade e no campo. Para isso, cria um elenco para percorrer sindicatos, escolas, favelas e organizações de bairro. Escreve, então, em 1960, a peça A Mais-Valia Vai Acabar, Seu Edgar, que marcaria a estreia do grupo Teatro Jovem.
Carlos Estevam, então sociólogo do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) é convidado a integrar a produção, colaborando com uma "explicação científica e didática da mais-valia", de modo que o texto da peça alcance seu intento, de mostrar ao público a lógica da exploração capitalista. Logo em seguida, o grupo reunido para a produção organiza um curso de filosofia com José Américo Pessanha, realizado em auditório cedido pela União Nacional dos Estudantes (UNE).
Essas atividades vão dando forma ao que viria a ser o Centro Popular de Cultura (CPC). O momento era fértil para esse tipo de experiência: em Recife, o grupo composto por intelectuais e artistas como Germano Coelho, Ariano Suassuna (1927), Hermilo Borba Filho, Abelardo da Hora, Aloizio Falcão, Paulo Freire, Francisco Brennand e Luís Mendonça, entre outros, funda, em 1960, o Movimento de Cultura Popular (MCP), ligado à Secretaria de Educação da cidade. A partir de um programa pedagógico que visava "a elevação do nível cultural do povo", o MCP desenvolve atividades em diversas áreas, em especial no campo teatral.
Ligado à UNE, desde sua origem o CPC propõe-se a conscientização dos públicos por meio, principalmente, do "teatro revolucionário" (embora estenda suas atividades para outras linguagens artísticas). Para Vianinha, tratava-se de uma alternativa, de uma possibilidade de produzir conscientização em escala industrial, fazendo frente ao poder econômico capaz de produzir alienação em massa. Com o CPC, aliás, nasce o teatro de rua, que levava suas peças para praças públicas, favelas, associações e sindicatos.
O repertório do CPC constituía-se, em grande medida, de criações coletivas de esquetes relâmpagos e autos, como Auto do Tutu, Auto do Cassetete, Auto dos 99%; e de peças curtas, como Brasil, Versão Brasileira (do próprio Vianinha), e Miséria ao Alcance de Todos, de Arnaldo Jabor. Aliás, Quatro Quadras de Terra, escrita por Vianinha em 1963, é agraciado, no ano seguinte, com o prêmio do concurso de dramatização da Casa de las Americas (Cuba). Em 1962, Vianinha atua ainda no filme Cinco Vezes Favela, produção do CPC, em episódio dirigido por Cacá Diegues.
O golpe civil-militar de 1964 traz consigo a ditadura e a extinção do CPC – Vianinha e a turma do CPC assistem à invasão e incêndio da UNE, com seu teatro recém-construído. Integra, então, o grupo que funda grupo que se dedicaria ao teatro de protesto e de resistência. Ao lado de Armando Costa e Paulo Pontes, escreve o show Opinião - nome com o qual se batizaria também o Grupo -, com Zé Kéti, João do Vale e Nara Leão (substituída posteriormente por Maria Bethânia) e dirigido por Augusto Boal. O sucesso do show, inclusive, enseja a organização de exposição de artes plásticas homônima no MAM/RJ.
Em 1965, aproveitando o impulso do show anterior, Millôr Fernandes e Flávio Rangel criam Liberdade, Liberdade, no qual Vianinha atua ao lado de Paulo Autran, Tereza Raquel e Nara Leão. No ano seguinte, escreve, com Ferreira Gullar, Se Correr o Bicho Pega, Se Ficar o Bicho Come, um dos primeiros textos representantes do chamado teatro de resistência, encenado em 1966 (do qual Vianinha participa ainda como ator). No Rio de Janeiro, a peça recebe o Prêmio Molière, e os Prêmios Saci e Governador do Estado, em São Paulo.
No mesmo ano, Vianinha escreve Os Azeredos mais os Benevides, que lhe valeu menção honrosa no concurso do Serviço Nacional de Teatro (SNT). A peça aborda o problema dos trabalhadores rurais sem terra. Ainda como membro do Grupo Opinião, escreve, dessa vez em parceria com Teresa Aragão, o show Telecoteco Opus nº1. E, em 1967, escreve Meia Volta Vou Ver, dirigido por Armando Costa. Atuou, ainda, em dois filmes: A Derrota, de Mario Fiorani; e Mar Corrente, de Luís Paulino dos Santos. Além disso, escreveu para o semanário Folha da Semana, ligado ao PCB, cujos redatores-chefes eram Sergio Cabral e Maurício Azedo.
O ano de 1968 é particularmente intenso: Vianinha atua em A Saída, Onde Fica a Saída?, de Antônio Carlos Fontoura, Armando Costa e Ferreira Gullar (direção de João das Neves); escreve Dura Lex Sed Lex No Cabelo Só Gumex (dirigida por Gianni Ratto); conquista o primeiro lugar no Concurso de Dramaturgia do SNT por Papa Highirte ( imediatamente censurada); redige o artigo Um Pouco de Pessedismo Não Faz Mal a Ninguém, um libelo, em que conclama artistas e intelectuais relevar divergências estéticas, unindo-se contra o inimigo político. Desliga-se do Opinião e, junto com Paulo Pontes, também integrante do Grupo, funda, com outros autores cariocas, o Teatro do Autor, que, ainda que nunca se tenha formalizado como um grupo, subsiste até 1973.
Por outro lado, o período é de endurecimento do regime. Em dezembro de 1968 é editado o AI-5. A partir de 1969, a Lei de Segurança Nacional inclui o banimento e até a pena de morte, além da censura prévia aos jornais e revistas. Paulo Pontes leva-o, então, para a TV Tupi, onde Bibi Ferreira apresentava o programa semanal Bibi – Série Especial. Era um momento de muito preconceito – entre os intelectuais – contra a televisão.
Esse é o clima em que Vianinha passa a produzir textos nos quais os protagonistas, de classe média - um jornalista, em A Longa Noite de Cristal, um publicitário, em Corpo a Corpo - se vê encurralado pela situação social. Encenada pelo diretor Celso Nunes em 1970, A Longa Noite de Cristal recebe o Prêmio Molière. Corpo a Corpo, por sua vez, é dirigida por Antunes Filho (que viria a dirigir Em Família, dois anos depois), com o ator Gracindo Júnior, em 1971.
Os anos 1970, aliás, iniciam com muita luta, trabalho e conquistas. Em 1970, Vianinha atua no filme Um Homem sem Importância, de Alberto Salvá. No mesmo ano, escreve Corpo a Corpo, que seria encenada no ano seguinte por Celso Nunes. Escreve ainda a peça Em Família, encenada no mesmo ano e dirigida por Sérgio Brito – mais tarde o texto é transformado por Vianinha em roteiro de filme, que Paulo Porto dirige e é agraciado com a Medalha de Prata no Festival Internacional de Moscou de 1971. Esse mesmo texto é reescrito, em 1972, por Vianinha, que muda seu título para Nossa Vida em Família.
Em 1972, Vianinha deixa a TV Tupi. Em contrapartida, vê outra peça de sua autoria encenada sob a direção de José Renato: Allegro Desbum. É convidado então a trabalhar na TV Globo, quando passa a sofrer com as pressões de patrulhas ideológicas, que o acusavam de capitular diante das tentações do sistema. A resposta de Vianinha é contundente: “Recusar-se a trabalhar em televisão em pleno século XX é, no mínimo, burrice”.
Na Globo, então, Vianinha dá início a uma série de adaptações de obras clássicas para telepeças, encenadas no programa “Casos Especiais”: Medéia, Noites Brancas, A Dama das Camélias (com Gilberto Braga), Mirandolina, Ano Novo, Vida Nova, As Aventuras de uma Garrafa de Champanhe (com Domingos Oliveira). Adapta ainda um texto de sua autoria, O Matador.
Um de seus maiores sucessos na televisão, A Grande Família, baseado em uma sitcom americana, é lançado, na Globo, em 1973, sob a forma de seriado. Vianinha escrevia os textos com Armando Costa, e a direção fica a cargo de Paulo Afonso Grisolli – Grisolli, aliás, dizia que Vianinha era um dos grandes responsáveis pela introdução de um conceito de dramaturgia brasileira na televisão.
Na manhã do dia 16 de julho de 1974, Oduvaldo Vianna Filho morre, aos 38 anos.
Vianinha morre sem ver encenadas duas de suas maiores obras, impedidas pela censura. Papa Highirte, escrita em 1968, seria montada apenas onze anos depois. No texto, um anti-herói, um ditador é, de certa forma, humanizado, mostrado ao fim da vida, exilado, alimentando esperanças de voltar ao poder. As páginas finais de Rasga Coração são ditadas no leito de morte. Papa Highirte e Rasga Coração têm destinos semelhantes. Ambas ganham o primeiro prêmio no concurso do SNT. Ambas são censuradas. Rasga Coração viria a estrear apenas em 1979, no Teatro Guaíra, em Curitiba, com direção de José Renato e Raul Cortez, Vera Holtz e Ary Fontoura, entre outros, no elenco.
Rasga Coração acabou tornando-se um símbolo da luta contra a censura, e das pautas comunistas. Seu título é uma referência a uma música homônima, de Anacleto de Medeiros, com letra de Catulo da Paixão Cearense. A trama gira em torno da história de Manguari Pistolão, funcionário público militante do Partido Comunista Brasileiro que transita entre a luta política e as dificuldades de sua vida cotidiana. No texto, Vianinha trabalha com uma multiplicidade de planos, alternando tempos, espaços e personagens, para abordar a psicologia e as relações familiares de três gerações, que vão de Getúlio ao golpe civil-militar.
A respeito da estreia, Ilka Zanotto escreveu: “Recebeu, ao descer a cortina, 8 minutos de aplausos, uma apoteose. Na segunda noite, o público simplesmente se recusava a deixar o teatro, com aplausos intermináveis, gritos de ‘bravo’, lágrimas e abraços, numa fusão total entre palco e plateia, mergulhado numa catarse autêntica preconizada pelo velho Aristóteles”. A peça receberia, ainda, o Prêmio Molière de 1979.
Vianinha tinha claro o propósito da peça. Em seu prefácio escreveu: “Em primeiro lugar, Rasga Coração é uma homenagem ao lutador anônimo político, aos campeões das lutas populares: preito de gratidão à Velha Guarda, à geração que me antecedeu, que foi a que politizou em profundidade a consciência do país. (...) Em segundo lugar, quis fazer uma peça que estudasse as diferenças que existem entre o novo e o revolucionário. O revolucionário nem sempre é novo absolutamente e o novo nem sempre é revolucionário”.
Ao que consta, Nelson Rodrigues era um dos mais ferrenhos críticos de Vianinha. A despeito disso, depois de assistir à montagem de Rasga Coração declarou: “Rasga Coração é uma das mais belas e fascinantes obras-primas do teatro brasileiro. Não posso ser mais conclusivo e definitivo”. Vianinha foi um autor superpremiado e, acima de tudo, um revolucionário da arte cênica brasileira. Durante toda sua trajetória, buscou, de forma incansável, imprimir um sentido político à sua produção, vinculando-a sempre aos deserdados e oprimidos.