
O Lollapalooza e a luta de classes
Criado ainda no início dos anos 90, o festival estadunidense de música pop Lollapalooza recebeu mais de 300 mil pessoas no último final de semana na cidade de São Paulo. Na capital paulista, o evento acontece desde 2011 e já recebeu dezenas de artistas internacionais de grande repercussão.
Trata-se de um evento de grande magnitude, com inúmeros palcos e apresentações ocorrendo simultaneamente e um grande fluxo de espectadores e trabalhadores durante os três dias de shows.
Um evento de tamanhas proporções demanda, evidentemente, um significativo esforço operacional para a sua realização, que inclui contratação de mão de obra para a realização de inúmeros serviços que vão desde a limpeza, passando pela segurança e a montagem de palcos, até as parcerias com empresas de alimentação e bebidas que vendem seus produtos nas dependências do Autódromo durante os dias de festival.
Se aproveitando de uma tradição estética de décadas, inaugurada por eventos como o Woodstock, em 1969, o Lollapalooza, assim como a maioria dos festivais de música pop dos dias atuais, vende a própria imagem como sendo a de um espaço progressista e libertário, onde não há espaço para preconceitos e conservadorismos. Isso em certa medida é verdade. Há, sem dúvida, uma multiplicidade grande de artistas no que diz respeito à raça, classe e gênero e, nos dias de festival, costumam haver, vez e outra, manifestações políticas que denunciam os preconceitos sofridos por populações minorizadas da sociedade.
Todavia, desde, pelo menos, 2018, acumulam-se inúmeras denúncias acerca das condições precárias a que são submetidos os trabalhadores responsáveis, principalmente, pela montagem dos palcos do evento. As denúncias, que anos após anos são ignoradas pela mídia hegemônica e pelo público, nos revelam que moradores em situação de rua são abordados pela organização do evento e levados aos montes para trabalhar em condições desumanas recebendo valores irrisórios como 50 reais por doze horas de trabalho.
A engrenagem da indústria cultural capitalista é de tamanha brutalidade e cinismo, que escolhe direcionar a sua exploração àquele indivíduo cujas condições materiais de vida está tão brutalmente abalada, que uma proposta para arriscar sua vida em andaimes, carregando materiais pesados sem nenhum treinamento e sem nenhum tipo de equipamento de proteção é muitas vezes aceita em nome da fome e do desespero.
Os palcos que no último final de semana se apresentaram os mais badalados artistas do Brasil e do mundo, foram erguidos sobre o sangue e o suor de moradores que hoje continuam sem casa, sem comida e sem a menor perspectiva de frequentarem um evento cultural dessas proporções. A luta de classes é evidente em todas as dimensões da vida social capitalista e num festival de música não seria diferente.
A Time for Fun, empresa responsável pela realização do Lollapalooza e por trazer há décadas inúmeros espetáculos internacionais para o Brasil está, hoje, avaliada em mais de 300 milhões de reais. Seus diretores e acionistas regozijam de mais um evento bem sucedido, no qual podem cobrar em média 600 reais por ingresso e pagar miséria aos trabalhadores.
Nada mais natural do que os capitalistas negarem seu modus operandi predatório, como fez a T4F diante das denúncias, mas e quanto aos artistas e ao público que insistem em não só frequentar esses espaços, mas frequentar de maneira passiva, sem expressar nenhum tipo de indignação diante das condições humilhantes a que foram sujeitados os trabalhadores que construíram os palcos que hoje cantam e dançam as grandes atrações?
Na edição deste ano, o festival foi marcado por diversas manifestações contra o presidente Bolsonaro. Por sua vez, Bolsonaro acionou a justiça numa tentativa autoritária de censurar as manifestações políticas no evento. É evidente que todo e qualquer espaço é válido quando se trata de expor a farsa fascista que é Jair Bolsonaro. Nos perguntamos apenas se alguns desses gritos não poderiam estar direcionados aos capitalistas da Time For Fun, que há anos vem se aproveitando da brutalidade do sistema para escolher a dedo os trabalhadores mais vulneráveis e explorá-los inescrupulosamente em nome de seus lucros.
Por Renato Putini e Elis Alonso
Coletivo Cultural Vianinha – São Paulo
FONTES:
http://jornalismojunior.com.br/por-tras-do-show-a-questao-trabalhista-envolvendo-o-lollapalooza/
https://www.instagram.com/reel/CbimzRPF6da/?utm_medium=copy_link
NOTA DO SATED SOBRE O LOLLAPALOOZA 2022:
