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Breve ensaio sobre capoeiragem e outros bambas.

              “Capoeira é tudo o que a boca come”

Mestre Pastinha.

Camarada, camaradinho, camará! O jogo é rasteiro na angola, tem balanço, tem ginga n'Angola. Não cabe na palavra, mas cabe na saliva, o jogo da capoeira.

Os camaradas reunidos, se organizam e com ou sem camaradagem a roda acontece.

Camarada, que vem de Câmara: lugar onde pessoas estão juntas por uma causa em comum. As vezes em celebração, as vezes na luta, mas com ideal comum. Isso te faz lembrar de alguma coisa? Pois é. A capoeira, é foice – martelo & berimbau.

A ideia que o grande mestre pastinha passou a respeito deste instrumento de arame, cabaça e biriba, como musica enquanto jogo de capoeira, e arma enquanto necessidade, é invocada diariamente, tal qual o balanço dos barcos, natureza dialética, colega véio.

Pega teu banco, senta, observa. A capoeira é inconformada: corpo de interrogações, vias de fato, carrega em si, a reconstrução do mundo em corporalidade. Corpo de pergunta, e de algumas respostas. Jogo de dentro, quando o movimento é baixo e perto do adversário, jogo de fora quando a eira tá em espaço bom pra vadiação.

No fio da capoeira, cabe muitas voltas do mundo, a roda é um alicerce da história em movimento vivo, epistemologia da navalha, a cada gesto uma reflexão, a cada passo a prática. Práxis na forma bruta.

Besouro precisou pensar minuciosamente da necessidade de jogar seu corpo no mundo, em prol da sua vida e da sua comunidade, assim, junto dele nascia um grupo em camaradagem - pela causa, sendo mais do que um simples ato isolado, ou individual.

Lembro quando vi a primeira vez a ginga do caboclo. Em contraponto, são 3 pra lá e 2 pra cá, são 3 pra cá e 4 pra lá. Um capoeira de terno bem alinhado, todo de branco, mandingueiro de escola. Siô, aqueles passos hipnóticos, me deixaram completamente confuso... que tchaba de mandinga era aquela? O que poderia acontecer no jogo? O corpo alinhado no samba - bateria da capoeira, e, em tão pouco tempo, o velho capoeira fez volume, se agigantou em dança mandingueira, tal forma que foi fácil dar a primeira rasteira.

Levanta.

Volta ao mundo pra recomeçar. Oxigênio. Ataque surpresa. São várias as possibilidades, inventários, sempre de acordo com o toque do berimbau. Um capoeira tá sempre alerta, apanha de olho aberto. Sempre na direção do seu adversário. O tempo é observação plena.

Quando é jogo amistoso, vira uma coreografia de alinhamento das possibilidades, quando não, também é.

Dualidade não cabe, não siô. É frenesi e rede que balança mas não cai, e se cai, sinhô precisa se alevantar. Se a capoeira veio de África para se criar no Brasil, tá na entranha de vários Brasis, se faz brasileira, é manifesto do corpo, em sua possibilidade de tudo que a boca come.

Não poderia ser menos capoeira o olhar certeiro de Marighella. Arisco. Calmo como uma bomba.

Não poderia ser menos capoeira a reflexão, e auto crítica depois de um tombo que te assegura vivo. Por vezes, a capoeira está correndo deitada, dormindo em pé: Olhos abertos, camará.

Ciência da oralidade, do toque do gunga, da chula, da necessidade de fazer pela causa.

Por fim, em uníssono a célebre cantoria:

“Vou aprender a ler, vou aprender a ler pra ensinar meus camará, pra ensinar meus camará”.

Por Max D'Carmo

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